quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Século vinte e um

A sala está vazia. No canto, restos de coloridas e murchas bolas de soprar enfeitam o chão. O aparelho de som toca qualquer música para ninguém. As luzes verdes e vermelhas ainda estão acesas. A menina acorda, com medo de escuro. Procura o tio, encarregado de cuidar da sobrinha. Mas encontra apenas o resto de festa, o fim de festa, a ausência de festa. A abstinência após o uso da droga, o silêncio após o barulho, a solidão após o amor. O tio está embriagado no sofá, a dormir tão apagado que sequer sonha. A menina sente mais medo então daquele escuro colorido, daquele escuro fingidor, que não é breu nem é claridade. E respira o ar da festa, com vestígios daquele tempo irrecuperável, que nem sabe qual foi, que nem sabe se alegre foi. Mas sente saudade mesmo assim, porque o que tem é apenas a dúvida entre o escuro e os restos do que não é seu. Parada na porta que liga o corredor à sala, ela sente um pouco mais de medo. Boceja e arrasta os pés para o quarto. Lá, busca uma solução e dorme de luz acesa.

5 comentários:

  1. carregamos, sem dúvida, o peso dos feitos no passado. O medo de fazer igual ou pior existe. Esconder-se na sombra se torna natural.

    Adoro suas palavras.
    Sempre surpreendentes

    te amozizi

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  2. Engraçado como certos trechos me arremessam até constatações inusitadas.
    Antes de seguir com a contatação deixo claro que gostei do texto. Agora sim, lá vai.

    Quando eu era criança, todos os da minha idade levavam os balões coloridos para casa afim de brincarmos até eles murcharem(ou estourarem). Hoje reparo que as crianças, findada a festa, os estouram compulsivamente.
    Sintoma ?
    Beijos!

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  3. Se dissesse que seu texto é ótimo, estaria mentindo... a um tempo atrás escrevi um que retrata muito bem um menino nesta fase da vida, qualquer dia posto no meu blog, se não me engano o menino era eu... quando eu era mais criança, nas festas juntava fitinhas, copos e pratinhos, as bolas, essas com muita cautela desamarrava, esvaziava e guardava no bolso, os copos levava para mamãe, com eles plantávamos flores dentro, que quando grande sempre levava para minha professora, com os pratos, jogando-os de um lado para outro brincava de “disco voador,” as fitinhas amarrava na grade da cama, adorava dormir durante o dia em baixo dela... Nas bolas fazia pequenos desenhos, eles sempre engordavam quando as enchia... Estranho como coisas tão boas nos faz sentir dores recheadas de alegria, ou talvez alegrias recheada de dor, estranho saber que esse tempo não volta mais.
    Seu texto desperta sentimentos guardados no coração...

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  4. minha linda, obrigada pelas palavras!
    quero lhe avisar que seu livrinho está guardado pra ocasião em que a gente se ver.

    sobre seu texto... é, esse pós festa, pós amor, pós barulho.. é a pós modernidade, rs. lindo, robertinha... vc como sempre escrevendo como quem entorna suco da jarra pro copo. fluidez gostosa :)

    beijão!

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