domingo, 22 de agosto de 2010

Cegueira

Sou como flor que brota nos cantos inesperados da calçada. Entre as pedras, num espaço ínfimo de terra, quase imperceptível. Na multidão de concreto, poucos imaginam que ali também habita terra fértil. E que, contra todas as conjecturas, com dificuldade, não posso negar, eu consigo emergir de dentro da semente caída do bico de um passarinho, deixando que venha ao mundo o broto de mim e que sejam vistos meu pequeno caule e minhas modestas folhas verdes. Cresço perto dos encanamentos de água, nas tumbas dos cemitérios, nas calçadas rachadas, nas esquinas dos muros da prisão e até mesmo no meio do asfalto. De repente, quando o vento vindo de longe refresca o meu verde com sua brisa, o sol aquece minhas folhagens e a chuva permite que escorram de mim todos os entraves, aparece, juntamente com os cantos dos passarinhos da manhã, a minha pequenina flor. Desabrocha de mim aquilo que eu não esperava que fosse eu mesma. Meu destino só não é tão repleto, quando desatento de tudo, um homem de sapatos não me percebe e destrói com suas solas o que eu tinha de mais precioso.

2 comentários:

  1. Todas as vezes que me deparo com leituras neste estilo, fortifico em minha mente uma certeza: é das pequenas coisas, dos pequenos momentos, que retiramos grandiosas mensagens. Em grande parte das situações, não damos conta da grandeza que é a pequenez das coisas, dos seres, das ações. Vale a máxima que é nos pequenos frascos que encontramos os melhores perfumes (ou algo nesse sentido, se eu errei o dito... rs).
    Parabéns pela prosa.
    Samira Moratti

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  2. ainda assim, a imperceptivel simples cidade está deixando de ser imperceptivel. o futuro está otimista.
    e sim, vc é mesmo essa flor.

    lindo texto.
    beijo

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